25/11/09

Danos centrais


Conhecemos o que são os chamados danos colaterais quando falamos de guerras, quando falamos de catástrofes, ou quando falamos de processos em tribunal… No entanto, não é frequente falar-se dos danos centrais.
Esses danos, de alguma forma, mesmo não esperados, quando acontecem parece que eram expectáveis e não são tão importantes como os colaterais.
Mas não nos podemos esquecer que são vidas humanas que estão em jogo.
Os portugueses estiveram envolvidos em três guerras em África.
Todos sabemos o que aconteceu.
Sabemos que entre mortos e feridos alguém escapou.
Porém, alguns dos que escaparam, escaparam mal. Ou na altura da guerra ou mais tarde continuam a viver esse doloroso traumatismo.
Eu vi partir alguns soldados do meu pelotão. Foram evacuados devido a uma completa desadaptação à situação de guerra.
De facto, muitos militares que estiveram no teatro de guerra sofrem de «stress» pós- traumático.
E acontece que, nós por cá, não queremos saber. Não queremos ver o que se passou e continua a acontecer debaixo dos nossos olhos
Despertamos da letargia quando uma reportagem na comunicação social nos alerta para isso…
Em França discute-se, neste momento, o que é ser francês. E em Portugal, o que é ser português ?
Será que isso não é importante em Portugal ?
Queremos ou não forças armadas ? E, se queremos, não nos incomodamos com os danos centrais ?
Tratamos mal as pessoas que deram o seu melhor por este país …
Os danos centrais estão aí e são visíveis. Se há ex-militares que conseguiram adaptar-se e têm uma vida confortável há outros que nunca mais conseguiram encontrar o equilíbrio e que nunca mais se integraram na vida social e familiar.
Há alguns ex-militares sem-abrigo que continuam a viver, a sobreviver, como se estivessem no mato.
Há outros que todos os dias têm insónia e que não conseguem ter sossego.
Os cheiros, os sons, os rebentamentos, os gritos, a espera pela evacuação e a vida dos camaradas a terminar sem nada se poder fazer rebenta nas suas cabeças e nas memórias que não se consegue apagar.
Tratamos mal estas pessoas. Foi-lhes atribuída uma pensão extraordinária quase insignificante. Porém, alguns viram essa pensão reduzida este ano.
Alguns lutam para terem direito apenas a cuidados de saúde e, principalmente, a cuidados de saúde mental.
É uma luta que dura há mais de trinta anos.
Mas pode ser que haja alguém que se lembre do sofrimento das pessoas que foram militares, mais de três décadas depois de ter terminado a guerra.
Em 21 de Novembro, o secretário de Estado de Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, revelou que o Ministério da Defesa está a preparar a revisão da Lei dos Antigos Combatentes e assinou um protocolo entre o Governo e associações de ex-combatentes que visa tornar céleres os processos por «stress» de guerra.
O protocolo, abrange 140 mil ex-combatentes com problemas psicológicos, dos quais 40 mil sofrem de «stress» pós-traumático…
Nunca é tarde para fazer bem, para fazer o bem… e repor a justiça aos que sofreram os danos centrais de uma guerra que o país lhes impôs.


Niassa fundeado ao largo de Bissau (1973)

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