24/06/16

Yalta em alta: linguagem e emoções


Costumamos dizer que é a falar que a gente se entende. No entanto, o que acontece é, exactamente, o contrário: a linguagem serve para nos confundirmos. A linguagem é muitas vezes perversa no sentido de que corrompe, desmoraliza, deprava, ou seja, tira proveito do outro, manipulando-o, desmoralizando-o. Os perversos não torturam necessariamente as suas vítimas de forma física, mas subjugam-nas à sua visão de mundo. Cometem abusos de poder, coerção moral, chantagens e extorsões com muita facilidade.
Uma das circunstâncias em que esta linguagem é mais usada é nos encontros entre países para encontrarem a paz e acabam fazendo a guerra.
A conferência de Yalta, em 1945, foi um diálogo de surdos que, no entanto mudou o mundo, de acordo com as vantagens que cada país procurava tirar ou manter em relação aos outros. No fundo o que importava era defender os próprios interesses.
Foi assim que surgiu a guerra fria, o muro de Berlim e a corrida aos armamentos. Caiu o muro, porém a corrida armamentista mantém-se em alta.
O que se passa na Síria é bem a prova do que se passa nesse campo. Os vários países que aí intervêm para acabar com a guerra nem sequer são capazes de se entenderem quanto à questão essencial de pôr termo a esta catástrofe humanitária, a maior a seguir à segunda guerra mundial. Cada um procura defender os seus interesses.
Aliás, nas Nações Unidas e Conselho de Segurança, é difícil chegar a qualquer compromisso, por haver um real diálogo de surdos. Então, a linguagem não serve para as pessoas se entenderem 
Na vida quotidiana parece haver dificuldade em estabelecer um compromisso e isso é tanto mais evidente quanto a sociedade de consumo oferece novidades. O problema está na capacidade de atração da novidade. É estranho o que fazemos por um novo telemóvel, por uma tv último modelo...
A incessante novidade obriga-nos, constantemente, a alterar a ordem de prioridades da nossa vida.
A dificuldade está em fazer algum sacrifício, actualmente, para ter uma vida melhor no futuro.
E sabemos quais foram e são as consequências da opção pela escolha permanente da novidade: o endividamento das famílias e das empresas junto dos bancos, dos bancos junto de outros bancos, o crédito malparado, as bolhas imobiliárias, a corrupção...
A nível social e familiar a incapacidade para estabelecer compromissos mais ou menos duráveis mostra a perversidade da linguagem. A linguagem é traiçoeira. Seja escrito ou oral, o compromisso não tem qualquer validade passados uns momentos, umas horas, uns dias.
O que se passa com as famílias é a dificuldade em estabelecer prioridades face à forte atracção da novidade.
Estudos (Gottman) mostram que para um casamento durar, a relação entre as emoções positivas e negativas num dado encontro tem de ser pelo menos de 5 para 1. As emoções negativas mais significativas são: postura defensiva, reserva, censura e desprezo.
O desprezo é o contrário do amor. Quando ele domina a relação de casal significa que a relação chegou ao fim.
O que faz falta ao nosso mundo e à nossa vida são competências sociais e emocionais que relevam o amor e preterem o desprezo. *
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Texto inspirado no cap. 8, "Construir un futuro común" de El viaje al amor, de Eduardo Punset.
O resultado do referendo na GB sobre sair/ficar na União Europeia mostrou, de facto, que a maioria não está interessada num futuro comum.
Mais uma vez se prova que a falar nos desentendemos e voltamos aos tempos de Yalta e à primazia dos interesses.
Dorothy Tennov, citada por EP, propõe três etapas para construção do futuro comum: a fusão, a construção do ninho, a negociação das margens respectivas de liberdade e intimidade individual.
Como acontece no amor, parece-me que também as sociedades que querem construir um futuro comum vão encontrando maiores dificuldades nas etapas dessa construção. Certamente, a negociação das margens de liberdade será sempre difícil de concretizar à vontade de cada um. Mas esse é o caminho do amor.

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